A Justiça Social e o trabalho de Luís Mário Lula - parte 1

terça-feira, 10 de janeiro de 2012 1 comentários
Com muita satisfação, a partir de hoje (10), o blog da Paróquia de São Benedito apresenta uma série de postagens sobre o trabalho do senhor Luis Mario Lula em nossa paróquia. Na entrevista dada a nós direto de Quebec, no Canadá, ele nos fala do período em que foi padre em nossa paróquia, entre 1962 e 1965, qual o contexto sócio-religioso da época, a ideia da criação do Centro de Recuperação Santa Maria Madalena e como está sua vida hoje na América do Norte. Apreciem mais esse rico e belo momento da história de nossa paróquia.

O trabalho do sr. Luis Mario Lula como padre em Pedreiras.


Luis Mario Lula em visita ao CRESMAM

Seria  muito pretencioso de minha parte  avaliar tudo  o que  foi  possivel  realizar em Pedreiras, de fevereiro de 1962 à dezembro de 1965. Contudo, posso  afirmar  que  este período foi para mim  um dos mais ricos  e importantes de minha vida, pois  permitiu  de me enraizar  na realidade  humana de Pedreiras, de partilhar muito mais, do que um pouco, da  vida real das pessoas mais carentes  e de  viver a exclusão com as pessoas mais excluidas , a saber ,«as nossas irmãs protitutas».
Façamos  um pouco de história para melhor entender o contexto, a estratégia  e as circunstancias do meu trabalho em Pedreiras. Quando cheguei em Pedreiras, tive a oportunidade de servir sob a orientação e os conselhos de Mons. Gerson Nunes Freire. Não foi fácil os primeiros contatos, pois o Monsenhor  Gerson era um  homem  severo,  justo, retraido e de pouca comunicação, completamente oposto  à minha personalidade mas  ele  era um homem de  grande coração e um infatigável trabalhador. A minha primeira tarefa  era  de ganhar a  confiança dele pois  para muita gente, inclusive  para os padres  cooperadores  que me antecederam, ele  era  um homem  intransigente. Dificilmente ele cedia quanto às suas opiniões. Cada começo de semana, eu deveria apresentar-lhe   um plano de trabalho. Ele olhava e cortava  uma grande parte das atividades que eu pretendia realizar. Mas isso  não era  por maldade. Era  uma  maneira  que utilizava os monsehores da época para  firmar   sua  autoridade  junto aos seus cooperadores. Este jogo não durou muito  tempo comigo. Aos poucos, fui observando o que mais  lhe motivava depois dos encargos religiosos. Logo percebi  que uma das atividades  que mais lhe trazia  prazer era  visitar,  no  seu «jipão », os terrenos que possuia ou que pertenciam a paróquia, então, com muita franqueza e muito receioso lhe propuz  o seguinte compromisso :  que  depois da  sua  missa  ele poderia  visitar,  sem preocupação, os  seus terrenos  enquanto  eu ficaria   na paróquia  durante o dia  para atender  as pessoas  que viessem   resolver mil e uma  coisa. Caso eu não desse conta do recado, se  voltaria à  maneira  anterior de funcionar. Felizmente, tudo deu certo e com o tempo  fui ganhando a confiança e alargando o campo do  meu trabalho pastoral. Nesta  minha caminhada, como  padre em Pedreiras, alguns passos poderão ilustrar   a marca de minha  ação pastoral e os momentos  chaves que marcaram e contribuiram  para minha  vida  atual, como pessoa humana.

Um primeiro passo  foi  de  me entranhar  nas diferentes associações  existentes na paróquia (Filhas de Maria, Coração de Jesus, Legião de Maria, Vicentinos, etc)   para tomar  conhecimento do funcionamento de cada uma delas. Na década dos anos sessenta, graças ao Concilio Vaticano II,  uma vaga de mudança  pairava em toda  Igreja. Não bastava  apenas uma simples renovação no espírito  e no coração de cada  cristão. Era urgente  criar as condições para uma verdadeira transformação das comunidades cristãs, em suas  estruturas e nos hábitos  de vida. Diante  deste desafio, eu não  podia ficar indiferente e confinado a distribuir  simplesmente  os sacramentos. E Deus sabe como  esta  sacramentalização  infantilisou e fez dos nossos cristãos muitas vezes  meros expectadores da fé. Algo diferente  deveria brotar na comunidade de Pedreiras. Por isso é compreensível  que o  meu  primeiro esforço  tivesse sido de  procurar abrir  novas fronteiras de ação para as diferentes associações da paroquia. Elas não deveriam  mais ficar  trabalhando  simplesmente para o aperfeiçoamento espiritual de cada membro. Elas poderiam tambem, sem abandonar sua própria especificidade, tornar-se  agentes de transformação humana e social  da própria comunidade na qual  viviam.
Trabalhei  o terreno, plantei  a semente e cheguei a regá-la. Não cabe a mim  dizer  se esta semente nasceu e deu frutos. O importante é que contribui para o bem da comunidade de Pedreiras,  com os recursos que tínha na época e com  a visão da realidade  humana que  tenho ainda hoje.
Um segundo passo  do qual me  lembro ter dado foi de abrir um espaço ecumênico, onde todas as forcas cristãs, fossem elas de qualquer credo religioso, pudessem  comungar o pão  da palavra, partilhar  o amor recíproco e praticar  o respeito  mútuo. Foi assim que realizei com algumas igrejas cristãs encontros  ecumênicos  em praça  pública para reafirmar  nossa  união  no Cristo. Para mim, a tolerância é o principio  da solidariedade. Como viver numa comunidade sem a participação  e a complementaridade de cada pessoa que  forma esta comunidade? A vida só vale  a pena ser vivida quando nos sentimos como vasos comunicantes.
Um terceiro  passo foi colocar  em prática  a opção  que fiz  pelos mais pobres. Colocar  no centro de minha  ação a pessoa humana e sobretudo  aquelas mais excluidas. Não foi   assim tão fácil  me lançar nesta aventura. Apesar de ter minhas origens na pobreza a formação  recebida no seminário  foi  entretanto regada por uma forte dose  elitista e burguesa. A própria sociedade  na  qual vivia era  em si mesma excludente, preconceituosa e misógina.  Portanto, si eu quisesse  orientar  minha ação  em direção das pessoas  em margem da sociedade, eu teria  que fazer violência  comigo mesmo. Era necessario passar por um processo de destruturação  e ter coragem de me lançar  na luta pois o medo paraliza. O medo de ser criticado, o medo de perder  minha   imagem , o medo de perder o pedestal do poder e das aparências  enfim  o medo de me tornar um  excluido entre os excluidos. Como consequência deste clima  de medo  e  de incertezas nascia em mim o constrangimento e  a angústia  de não  realizar  aquilo  que acreditava. Para ultrapassar  esta  teia de arranha foi necessário um empurrão  forçando-me assim  a  minha entrada no jogo da vida.
 Um dos  empurrões  veio  da minha participação na  juventude agrária católica (JAC), da qual participei ativamente e  onde se aprendia a descobrir os problemas existentes (VER), a diagnosticar suas  causas, seus pontos positivos e negativos  (JULGAR) e a  encontrar os meios  de soluções  necessários (AGIR).  A JAC  foi  uma verdadeira  escola de vida para muita  gente do meio rural de Pedreiras.  Os mais antigos  devem  se recordar  deste meio poderoso de formação  cristã, humana e social.
Um outro impulso recebido  foi do contato que tive com as  associações  sindicais  de diferentes meios de trabalho. Ao  encontro destas pessoas ligadas e inseridas  numa realidade dura e cruel do mundo  do trabalho, fui descobrindo  aos pouco o rosto da miséria, da descriminação  e da servidão.  Para mim, a descoberta desta realidade  abria   mais  minha mente e  o meu coração para acolher outras realidades ainda mais cruéis e inaceitaveis no plano cristão e humano. Foi justamente, em 1963, após  ter realizado três dias de encontros com os membros  do sindicato dos arrumadores, na rua da Independência, que uma jovem  me lançou  o seguinte desafio : «Porque o senhor não faz   a mesma coisa com a gente»? Foi  aí, neste momento, que recebi  não  um empurrão e  sim  um ponta pé e um grande  apelo  para   tambem ir ao encontro das pessoas  mais excluidas entre os excluidos, as mulheres mais marginalizadas, as minhas irmãs prostitutas.  Un novo caminho se abria  então na minha vida no qual continuo  a trilhar até hoje  com a mesma convicção e com  a mesma esperança. Como diz  Chico  Buarque  na canção «Sonho impossível» :…« e assim , seja là como for, vai ter fim a infinita aflição e o mundo vai ver  uma flor brotar  do  impossível chão

1 comentários:

  • Anônimo disse...

    Feliz iniciativa de apresentar o trabalho de Mário Lula como Padre em Pedreiras.
    Interessante o meio utilizado para ganhar a confiança de Monsenhor Gerson e assim poder alargar o campo de trabalho pastoral.
    Mário tinha consciência de que o amor é a mensagem cristã por excelência,é vida.Com os olhos da fé se compromete e confirma não somente por palavras, mas por gestos participando ativamente nas associações existentes na paróquia.
    Vi no texto a força,a coragem do jovem Padre na opção aos pobres de preferência àquelas que a sociedade exclue: as prostitutas.
    A verdadeira fé leva à comunhão e à participação tornando possível as coisas impossíveis.

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