A Justiça Social e o trabalho de Luis Mario Lula - Parte 4

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012 0 comentários
4° Postagem da série sobre o trabalho do Sr. Luis Mario Lula em nossa paróquia. Os relatos foram dados pelo próprio Sr. Luis Mario, que hoje mora no Canadá.


Como surgiu a ideia do CRESMAM



Imagens mostram a construção do CRESMAM.

O desejo de  fazer  alguma coisa  pelas prostitutas  é algo  que começou  na minha adolescência, como seminarista. Ao leito de morte de uma tia  materna, ela mesma vítima da prostituição, eu prometi à mim mesmo de que um dia eu  faria qualquer coisa pelas prostitutas. Este foi o meu primeiro engajamento. Um sonho de adolescente que  um dia se tornou realidade, em Pedreiras. Chegando em Pedreias, em 1962, depois de  nove meses como padre, observei imediatamente que havia alí um campo imenso onde  poderia realizar o meu sonho de adolescente. Os dias se passavam e as notícias  que eu  ouvia na cidade eram sempre as mesmas e as mais alarmantes a respeito da vida da mulheres da ‘zona’. Algumas se suicidavam, outras eram assasinadas, muitas vezes outras sofriam espancamentos, enfim, o meio onde viviam estas mulheres era um verdadeiro inferno. Diante desta realidade cruel, eu, como padre recente na paróquia, ficava pensando como seria possível agir diante de tanto sofrimento, de tanta disciminação, injustiça e exclusão. Eu  deveria ou não me  lançar logo  na luta ou esperar uma oportunidade? Já completava  mais de um ano que tinha chegado, em Pedreiras. O tempo urgia. Em abril de 63, fui convidado pelo presidente do Sindicato dos Arrumadores, para fazer três dias de palestras na sede do sindicato, situado na rua da Independencia, em preparação para a celebração do dia do Trabalho. No primeiro dia, observei que uma jovem, debruçada sobre a janela, escutava atentamente as minhas palavras. Quem seria esta jovem tão interessada? Na minha mente outras interrogações se faziam. Por que sua presença alí? No segundo dia se repetiu a mesma coisa. A jovem se encontrava no mesmo lugar. Ao terminar minha palestra no terceiro dia, ao sair da sede do sindicato, a dita jovem me interpela: ‘Por que o senhor não faz a mesma coisa com a gente?’ Então, eu lhe perguntei: quem é essa gente? Ela me respondeu, são as prostitutas. Eu, sem saber o que lhe responder, um pouco surpreendido com o convite, fiz-lhe a seguinte proposição: ‘convide  as  mulheres e quando tudo estiver certo me procure’.

Com esta resposta tinha quase certeza de que a jovem não daria continuação  à sua iniciativa e ao mesmo tempo eu me saia, de mansinho, desta boca quente. Mas voltando para casa, eu me perguntava a mim mesmo, não seria a hora de realizar o meu compromisso? O medo fez com que eu me calasse e deixasse a realização do meu sonho  para mais tarde. Mas o tiro  saiu pela culatra.
Uma semana mais tarde, a jovem vem à casa paroquial e me diz : ‘as mulheres estão lhe esperando na sede do sindicato.’ Respondi-lhe um pouco surpreso: ‘o que?’ Não marquei nenhum encontro. A jovem me respondeu: ‘o senhor me disse que  convidasse as mulheres, foi o que fiz. Agora, o senhor não pode recuar.’
Então, sem saber o que faria e o que diria às mulheres presentes, levei comigo  a Biblia pensando em ler e comentar  para elas a parábola do filho pródigo. Quando entrei na sede do sindicato, a surpreza foi maior do que esperava. A sala estava repleta com a presença de 86 mulheres. Foi para mim um imenso choque emocional e ao mesmo tempo, o meu primeiro contato com um mundo do qual eu ouvia falar mas por mim desconhecido totalmente. Com este impacto, a parábola do filho pródigo ficou de lado. Diante destas mulheres que nunca tiveram voz e nem vez de falar, a unica coisa que me cabia fazer, naquele momento, era me calar e ouví-las. Então, eu me dirigi à todas elas e lhes disse: ‘certamente vocês ficarão decepcionadas comigo, eu não tenho nada à dizer à vocês, mas sei que vocês têm muita coisa à dizer. Então, o que poderiamos fazer juntos?’ Logo, várias mãos se elevaram. Umas diziam que queriam aprender a ler e a escrever. Outras manifestaram o desejo de aprender uma profissão. Outras falaram das condições de vida que levavam e do desejo de deixar este tipo de vida. Diante das várias necessidades expressas, decidimos em conjunto de que o primeiro passo a dar seria  começar pelo começo, isto é, a alfabetização. A partir deste momento,  a semente  da qual brotaria o Cresmam era lançada. Não perdemos tempo. Logo na missa do domingo, eu falei na minha homilia sobre a necessidade de ir o encontro das mulheres mais  desacreditadas, exploradas e excluídas da sociedade Pedreirense. Fiz um apelo às mulheres de boa vontade para que me ajudassem nesta nova caminhada. O apelo foi atendido por um pequeno grupo que muito contribuiu não só fazendo uma sondagem junto às mulheres que estariam prontas à serem alfabetisadas mas tambem sendo as prioneiras da alfabetisação destas mulheres. Foi assim que no dia 27 de maio de 1963 era  fundado a instituição Cresmam. Sua história é regada pelo sofrimento, pelo engajamento, pela esperança e pelo amor de muitas mulheres que continuam ainda lutando e outras que já se foram. Quase às vésperas do seu cinqüentenário, faço um apêlo à  toda  comunidade de Pedreiras, às suas forças vivas, sejam públicas ou particulares que unam as suas energias ao esforço do Cresmam, no interesse do bem comum, sobretudo em relação à educação, ao desenvolvimento social e ao bem-estar da mulher marginalizada.
Continuamos acreditar que a experiencia vivida pelo Cresmam durante todo este seu percurso constitue uma prova evidente de que poderemos realizar muita coisa humanamente extraordinária com poucos meios financeiros e humanos. Ele é para toda a comunidade de Pedreiras um exemplo de implicação e dedicação. Uma prova de  coragem e paciência. Um modelo de tenacidade e de desafio. Ainda mais reconhecemos que o Cresmam tem sido um instrumento válido de resgate e de auto-estima, de reconquista da dignidade e de luta pelos direitos à vida, à liberdade e à segurança das mulheres  mais  frágeis e marginalizadas da comunidade de Pedreiras.
Concluindo, aproveito a oportunidade para render uma homenagem especial a  todas as mulheres que atualmente participam da vida do  Cresmam (a atual diretoria e muitas outras pessoas que procuram dar uma maior visibilidae ao trabalho) e àquelas que puseram as primeiras pedras deste edificio de solidariedade humana e finalmente a todas as mulheres que passaram por lá, vencendo o discrédito, a indiferença e os preconceitos. São elas que, com coragem e paciência, fizeram caminho onde não havia caminho. São elas as verdadeiras construtoras de uma nova esperança de um novo itinerário que ainda, juntos, deveremos percorrer. ‘Um sonho que se sonha é apenas um sonho. Um sonho que se sonha junto é realidade’. (Raul Seixas)

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